Uma crônica legal sobre a noite de Belém extraída do blog Belém90: "A partir do centro de Belém, feito aqueles mapas do tesouro, poderíamos traçar uma mina, digo (e não estava me referindo ao solo do Afeganistão, pois aí iríamos pelos ares), traçar um roteiro etílico (contanto que não nos obriguem a fazer um 4) até o ponto mais distante, já na BR. Bem comportada, com estacionamento facilitado à porta, a noite poderia começar, sortida (restaurante, churrascaria, pizzaria, choparia), no Pappus, onde funcionava, no mesmo endereço, Conselheiro Furtado 627, o Chico's. Diariamente, desfrutava-se de jantar dançante com música ao vivo". Do Pappus era emendar para o Gato & Sapato, “boite e drinks”, na Doca: “sexta e sábado (seresta) e aos domingos pipoca dançante”. Por um erro de impressão, onde era para sair “curta toda a sua juventude", saiu "custa toda a sua juventude". Da perspectiva de hoje, o errosoa atual, coerente, premonitório, o certo por linhas tortas.
Em vez de seguir em frente no roteiro, rumo à saída da cidade, alguns talvez escolhessem retroceder, fosse sexta ou sábado, e ouvir trinados dos nossos rouxinóis na La Cage, "a mais sofisticada e elegante casa noturna de Belém", situada na travessa Piedade, entre Henrique Gurjão e Tiradentes. Daria, numa mesma noite, para ouvir a santarena Maria Lídia e o conjunto Novotempo, com o auxílio luxuoso da participação de Walter Bandeira. Claro que o couvert artístico, nessas duas noites, era mais caro que nos demais dias da semana, com exceção da segunda, dia de descanso.
E no tempo em que a avenida Nazaré ainda descia (ou vice-versa), no tempo, enfim, em que a mão era de la para cá e não de cá para lá (ou vice-versa?), o Plaza's, “em frente ao Largo de Nazaré”, era um ponto tradicional da turma mais conservadora. O que não era bem o caso, numa outra extremidade da cidade, do K-verna Drinks, na Senador Lemos, movido à “música mecânica". Restaurante e boate, o K-verna (e o brucutu à porta não causa a melhor das impressões) era mais “uma organização Oscarina N. da Silva".
Na mesma Senador Lemos, mais acima, “próximo a Gelar”, a tradicional fábrica de picolé de Belém, sorvida pela Kibon, para quem quisesse forrar antes o estômago, havia O Regatão. Com seu anúncio de proa de barco a saudar o navegante, muita água rolou sob o tombadilho do bravo mascate culinário. A comida, se bem me lembro, não era das piores, pelo menos sua recordação não me traz uma azia fora de hora, fora de lugar, idéias fora do lugar, diríamos, mas aí já é outro capítulo.
Mas se o almoço, ou jantar, sossegado, embalado em águas calmas, fosse, efetivamente, uma idéia fora do lugar, a onda da hora era juntar modismo, gente bonita e ambiente animado (com direito à porrada), como no Chopp Haus. Ancorada no Entroncamento, a casa oferecia “restaurante, almoço e jantar, chope, frios, queijos, vinhos, drinks e boliche". A propósito, lembra o final da peça publicitária: "Você conhece idéia melhor?" (No entanto, as referências ao Chopp Haus saíram das colunas de agito dos jornais e foram parar nas páginas policiais, por conta da repercussão de assassinato envolvendo um casal de namorados de nossa melhor sociedade, ele, parece, a matou, no carro, estacionado na rua, na Doca de Souza Franco?, por ciúme, por ameaça de abandono, qualquer coisa assim; antes, na falta de idéia melhor, o casal passara no Chopp Haus, onde fora visto e festejado, daí a casa noturna ter sido incluída no roteiro do crime. Foi por aí).
Bem, para quem já estava no Entroncamento, e na falta de outra idéia melhor, melhor seguirem frente, pela BR-316, até seu km 3, até o então célebre Gemini Drive-in. Era um dos pontos preferidos de nossa jeunesse dorée, dos jovens universitários, o “local mais 'in'de Belém", onde se era convidado a “viver momentos de alegria e descontração".
A casa comportava dois ambientes. No Gemini Grill, pontificavam o “churrasco, galeto e pizzas feitas em forno a lenha por um expert vindo especialmente de São Paulo". Já o Gemini Chopp proclamava ter “o melhor chope da cidade". Nas sextas e sábados, o ingresso, a Cr$ 350,00, dava "direito a uma mini-pizza ou a um chope".
O Gemini era tão conhecido que servia de referência a outras casas noturnas. O Night Club Twist, por exemplo, situado na passagem São Pedro, BR-316, km 4, anunciava que o melhor caminho para se chegar ao local era pela “entrada ao lado do Gemini”, com a ressalva de que o carro do cliente pegaria uma “estrada boa".
O Twist prometia animação mais quente, caliente. “Shows variados, todas as sextas e sábados, como streptease (sic), travesti, transformista, bailarino, dança etc.". Como as demais congêneres, não deixava por menos, ignorando o sábio provérbio, elogio em boca própria é vitupério. Dizia-se o “melhor ambiente e melhor casa de show de Belém". Para atrair a freguesia, prometia "duas cervejas grátis para cada mesa para quem chegar até 1.000 hora". "1.000 hora"? Pois é assim mesmo que está na propaganda, pode conferir. Seria para quem chegasse a mil por hora? Ou estava-se querendo dizer "até uma hora da manhã"?
Pronto, fim de noite - que, aliás, era o nome de um bar do Alencar, embrião do Lapinha. Outros tantos roteiros poderiam ser traçados. Lembro, assim, de cabeça, da Adega do Rei, do JB-7, Garagem, La Bodega, Primavera, Sozinhos Bar, Biriba, 3/4, Avec, Casa de Chá Corumbá, Guinzas, Maloca, Maracaibo, Palhoça, Papa Jimmi, Pigalle, Porão, Planeta dos Anjos, Pussanga, Signos, Tapera, Tonga. Já sinto saudades até da Choperia Pingüim, aquela mesma, no segundo andar do Iguatemi. Se você quiser, monte seu próprio roteiro e mande. Fiz com esses bares, que nem eram meus preferidos, por dispor de recortes de seus anúncios. Se quiser, se você for jovem, pode até mandar o seu roteiro atual ao longo da noite. Já fica para a história."